Capítulo 9, Parte II: "A Rodada"

Tanto para Rengo como para Anami o tempo tinha voado. Em questão de horas que eles sentiam como minutos, a corneta que convocava para a ronda grasnou com seu som potente ecoando em toda casa caverna, estendendo a sua onda sonora até as várias linhas de montanhas.

- A ronda! Já! Quão rapidamente o tempo passou! –Rengo exclamou, alongando as costas–

- Eu também achei. –Disse Anami–

- Vamos? Não é certo ou respeitoso chegar tarde –Sugeriu Rengo, endireitando o corpo e estendendo a mão à amiga para ajudá-la–

A ronda era uma sala cheia de cadeiras confortáveis, poltronas e sofás colocados formando uma espécie de círculo. Cada membro da comunidade de casas de caverna ia se aproximando e sentando nos lugares que aparentemente já tinham sido indicados anteriormente como lhes era devido, embora estivesse claro que hoje haveria uma pequena mudança nesta ordem, uma vez que eles deixaram um assento vago para Rengo ao lado do de Anami.

Absolutamente todos os presentes eram Plugis ou Simpayes e praticamente a mesma quantidade de machos e fêmeas. Era grande a variedade de idades, havendo inclusive cachorros.

As famílias eram formadas por machos e fêmeas ou machos e fêmeas com filhotes e todos se sentavam sempre juntos.

Uma vez que todos tinham tomado as suas posições, um Plugi que parecia o chefe da comunidade apresentou muito respeitosamente Anami aos demais e começou a organizar e distribuir as diferentes tarefas para o dia seguinte.

Mais tarde, todo mundo estava falando sobre eu queria. Comentavam coisas que haviam sentido, coisas que eles queriam fazer no dia seguinte ou em breve, falavam de alguém, refletiam sobre Sat, o Senhor Supremo Verdadeiro e outros assuntos.

Um casal de jovens Simpayes chamou em especial a atenção de Anami: eram Boly e Grena. E chamavam a atenção porque, apesar de serem um casal, passavam quase todo o tempo saltando e cutucando-se, e mais de uma e outra vez seus olhos mostraram uma compreensão e capacidade de apoio mútuo muito, muito grande. Ambos pareciam ter uma relação muito passional.

A imagem deles percebida por Anami foi que Boly, cerca de 23 anos, estava sempre lutando dentro de si e que Grena, um pouco mais jovem que ele, com seus 21, era muito insegura, possuía um grande medo da morte e da dor, bem como parecia pouco inteligente. De fato, Grena gesticulava demais e isso para Anami sugeria algo de teatral.

Naquela mesma noite, apesar de ser Anami novata e praticamente desconhecida no grupo, o chefe da comunidade perguntou se no dia seguinte Boly poderia fazer não entendeu bem o quê, Grena, muito dramaticamente, começou a chorar após a resposta afirmativa entusiástica da parte dele.

Quando questionada sobre qual foi o motivo daquela reação, Grena reprovou Boly porque este tinha prometido no dia anterior que, após a reunião, os dois passariam juntos o tempo todo, caminhando e descansando, desfrutando o amor que dedicavam um ao outro.

Grena sentiu magoada e ofendida por Boly, porque achou que ele não quisesse ficar com ela ou não estivesse animado para fazer isso e finalmente esquecera o compromisso. E se isso aconteceu, ela julgava que foi porque ele quis mostrar a todos os presentes - e especialmente ao chefe da família - que era Grena quem queria sozinha que os dois passassem o dia juntos e sozinhos e não Boly (de quem havia partido a idéia e a oferta), nem de ambos. Com isso, Boly não demonstrava lhe dar mais atenção nem maior prioridade do que aos outros.

Mas o que realmente surpreendeu Anami foi a resposta de Boly a ela, deliciando-a. Para tanto, Boly olhou diretamente nos olhos do Grena irradiando um grande amor e grande entendimento, resultando na outra ainda mais lágrimas... Lágrimas de amor...

Devagar e com cuidado, diante de todos, Boly fez Grena entender que isto estava acontecendo naquele momento por um ataque sutil de seu ego ao pensar no outro como ela mesma era, não como o outro é. Demonstrou muito claramente que precisamente por esta atitude e pelos pensamentos dela naquele momento, seu ego não permitia que ela fosse livre em seu interior. Com sua atitude, Grena pretendia mudar Boly, porque muitas vezes ocorria dele se comportar de maneira um tanto descuidada e esquecida, pensando só no trabalho pendente e em nada mais que isso. Deixou bem claro para ela, na frente de todos, que não agia assim por amá-la pouco ou não querer dedicar-se exclusivamente a ela ou por não lhe dar prioridade...

Mas não foi só aqui que Boly deixou Anami espantada com sua resposta e reação calma a uma explosão emocional de Granada, mas várias vezes mais, como aquela em que Boly disse algo que Anami não entendeu muito bem mas que resultou em uma reação fortíssima da parte de Grena.

- Por que me sinto contigo como uma prostituta rejeitada, criticada, enganada e deprimida? O que há em mim que me faz sentir desse jeito? Você pode me ajudar, por favor, para que não me sinta assim? –Disse Grena, gesticulando muito–

- Eu não faço nada mais que me perguntar o que eu posso fazer para você se sentir melhor.

Enquanto falava, Rengo ia observando a reação de surpresa de Anami e por isso sussurrou-lhe depois:

- A peleja não é sobre o que o outro tenha dito ou se disse a verdade ou se está certo ou se tem alguma culpa... mas sobre os sentimentos de cada um.

Pouco depois, surgiu outra crise em que reprovações foram trocadas por quatro daqueles que lá viviam, e o chefe da comunidade, levantando sua voz, entrou em ação:

- Viver no presente não significa não olhar para o futuro ou o passado. Viver em consciência é de ver tudo em todas as direções.

Anami ficou muito abalada...

Uma vez que a ronda acabou, o chefe da comunidade se dirigiu exclusivamente a Anami antes que os demais levantassem para sair e perguntou:

- Bem, Anami, você já conheceu nossas casas de caverna e já participou de uma ronda. Eu não sei se Rengo te explicou como vivemos, nossas regras, ou se ele se perdeu a falar com você de outras histórias. Mas você já esteve aqui horas suficientes para aprender um pouco sobre nós e como tudo isso funciona. Você realmente quer ficar com a gente? Você sabe o que isso implica?

- Para falar francamente, eu não tenho muito claro o que isso implica e falando-me abertamente como estás fazendo, me assusta um pouco.
Primeiramente, é claro que eu quero passar mais tempo com vocês e, inclusive pelo que ouvi hoje na ronda, eu percebo que está se avizinhando um tempo duro e difícil, mas eu tenho certeza que ele será bastante instrutivo e me ajudará a crescer em sabedoria –Anami respondeu a todos–

- Sim, é muito provável que aconteça dessa forma. Entretanto e precisamente por isso que nós queremos que tudo fique bem claro antes que você nos diga um sim. Não precisa responder hoje, você pode fazê-lo amanhã.
Nós gostamos de apostar alto naquilo em que nos aplicamos, vivendo na maior verdade que formos capazes de alcançar dentro de nós mesmos.
Portanto, não nos basta conhecermos a nós mesmos, mas aqui nos dedicamos a treinar este auto-conhecimento e auto-controle para aperfeiçoarmos o resultado da sabedoria alcançada.

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Tradução por:
Ananda (Rosemari Gonçalves)

Journalist and costume designer
E-mail: roseananda99@gmail.com

Blog: www.searanova.blogspot.com

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